A dificuldade que tenho sentido para escrever sobre tio Willibaldo (Willi para suas irmãs e Libaldo para todos os sobrinhos) é algo que tem me deixado um tanto incomodada.
Parei para pensar e verifiquei que o “empecilho” esta na riqueza desse ser humano que independentemente de ser tio, foi filho, irmão, amante, alcoólico, engenheiro autodidata, fazendeiro de criação, um incrível leitor, calado, ensimesmado chamando atenção por onde passava mesmo sendo avesso a qualquer holofote para si mesmo.
Tudo isso já serviria de lição e de ensinamento para nós todos e o problema talvez more aí: quais ensinamentos? Como aconteceram? De onde veio esse respeito por alguém que tinha muito para ser desrespeitado? Da inteligencia? Do exemplo? Mesmo quando o víamos caindo por ter bebido tanto? É nisso que mora minhas duvidas ou minha impotência para começar.
Comecemos pelo meu relacionamento com ele.
Sei que nasceu dia 04 de julho e que a lembrança mais longínqua que tenho dele é de uma pessoa séria e distante.
Fazia um comentário aqui outro acolá mas nunca se aproximava; especialmente daquela maneira tão “deliciosa” para apertar nossas bochechas ou puxar o elástico de nosso primeiro sutiã como os outros, irritantemente, faziam.
Na verdade, essa sua atitude foi uma das causas de meu interesse por ele como ser humano.
Uma das coisas que me incomodavam nele quando criança era o fato dele ficar bêbado. Não entendia por quê.
Certa vez o vi cair de rosto na lama, falar uns palavrões e seguir adiante me levando para a cidade com mais alguém. Fiquei chocada com aquilo pois não se vê tios caindo por aí. Me fez passar sob uma cerca de arame enfarpado, dizendo-me como agir e, apesar de tudo acabei fincando o joelho exatamente no `farpado´ do tal arame e de ter dado um gemido baixinho (pelo menos aos meus ouvidos) com certo temer de sua reação. Em seguida ele me perguntou sério: o que foi? Eu disse, mas seu comentário foi do tipo: quando casar passa. Senti uma certa raiva pois me perguntei e se não casar? Pô!
Naquela noite dormi na casa de tia Walderez e nunca senti tanta dor no joelho. Acreditava firmemente que teria a perna cortada no dia seguinte. Curioso! Não casei mas a dor passou.
Não sei se foi antes disso ou depois que ouvi uma conversa na cozinha da fazenda entre as tias que me deixou com a pulga atrás da orelha. Era algo assim:
- Victória Luiza: Sabe perguntei para o Libardo se ele ainda gosta da fulana.
Uma de nossas tias, acho que foi tia Wenilze, falou rapidamente: - Você o quê, Victoria? Como teve coragem?
- Victória Luiza: Uai! O que tem de mais, ora? Se até hoje ele bebe por causa dela?
Outra tia (talvez tia Wilka): “O Victória, acho que você está se metendo onde não é chamado. Deixa ele em paz”.
Senti a Tia Wenilze, por sua vez, inconformada com a ousadia da Victoria e que, se pudesse daria uma vassourada na cabeça dela.
Eu fui chegando de mansinho tentando entender o que ouvia completamente estupefata, afinal havia uma caso de amor na família e isso sempre me atraiu. Repentinamente, uma outra pessoa perguntou: Mas Victória o que ele respondeu? Nessa hora todo mundo começou a falar junto e as vozes do “vamos parar com essa conversa” venceram. E não consegui ouvir a resposta da Victoria.
Nunca mais isso saiu da minha cabeça. Tinha um tio que sofria por amor e meu lado romântico dizia que lindo (os sofrimentos por amor são sempre lindos para os românticos); tinha um tio que passou a beber furiosamente por amor e meu lado realista pensava que haveriam outros amores, ora bolas! Era só não beber para enxergar (como se fosse fácil...)
No dia em que decidiu nunca mais beber nada engarrafado mais intrigada eu fiquei pois que força de vontade! Nunca mais, enquanto viveu bebeu qualquer coisa engarrafada. Acabou a bebedeira, mas sempre me perguntei: Será que o álcool matou o amor ou apenas o anestesiou durante algum tempo? Mata-se amor? O álcool mata, eu sei, mas e...? Deixa para lá minhas reflexões.
Um dia, já adulta voltando para a fazenda com ele perguntei de bate pronto: Tio, você nunca mais sentiu vontade de beber um pouquinho? Ele respondeu: Senti sim e como. Mas eu sei que se tomar uma colher, viro um alambique inteiro. Por isso evito passar em frente de bares sozinho.
Uma pena não ter dado tempo de eu perguntar: Você ainda ama a tal fulana?