Parentes queridos parentes

O que são parentes? Como surgem? São importantes? O que nos acrescentam? É sobre essas questões que me proponho a pensar e falar mais do que qualquer coisa. Não que outras coisas não sejam importantes.

7 de jul. de 2010

Um tio? Mais que um tio.

A dificuldade que tenho sentido para escrever sobre tio Willibaldo (Willi para suas irmãs e Libaldo para todos os sobrinhos) é algo que tem me deixado um tanto incomodada.

Parei para pensar e verifiquei que o “empecilho” esta na riqueza desse ser humano que independentemente de ser tio, foi filho, irmão, amante, alcoólico, engenheiro autodidata, fazendeiro de criação, um incrível leitor, calado, ensimesmado chamando atenção por onde passava mesmo sendo avesso a qualquer holofote para si mesmo.

Tudo isso já serviria de lição e de ensinamento para nós todos e o problema talvez more aí: quais ensinamentos? Como aconteceram? De onde veio esse respeito por alguém que tinha muito para ser desrespeitado? Da inteligencia? Do exemplo? Mesmo quando o víamos caindo por ter bebido tanto? É nisso que mora minhas duvidas ou minha impotência para começar.

Comecemos pelo meu relacionamento com ele.

Sei que nasceu dia 04 de julho e que a lembrança mais longínqua que tenho dele é de uma pessoa séria e distante.

Fazia um comentário aqui outro acolá mas nunca se aproximava; especialmente daquela maneira tão “deliciosa” para apertar nossas bochechas ou puxar o elástico de nosso primeiro sutiã como os outros, irritantemente, faziam.

Na verdade, essa sua atitude foi uma das causas de meu interesse por ele como ser humano.

Uma das coisas que me incomodavam nele quando criança era o fato dele ficar bêbado. Não entendia por quê.

Certa vez o vi cair de rosto na lama, falar uns palavrões e seguir adiante me levando para a cidade com mais alguém. Fiquei chocada com aquilo pois não se vê tios caindo por aí. Me fez passar sob uma cerca de arame enfarpado, dizendo-me como agir e, apesar de tudo acabei fincando o joelho exatamente no `farpado´ do tal arame e de ter dado um gemido baixinho (pelo menos aos meus ouvidos) com certo temer de sua reação. Em seguida ele me perguntou sério: o que foi? Eu disse, mas seu comentário foi do tipo: quando casar passa. Senti uma certa raiva pois me perguntei e se não casar? Pô!

Naquela noite dormi na casa de tia Walderez e nunca senti tanta dor no joelho. Acreditava firmemente que teria a perna cortada no dia seguinte. Curioso! Não casei mas a dor passou.

Não sei se foi antes disso ou depois que ouvi uma conversa na cozinha da fazenda entre as tias que me deixou com a pulga atrás da orelha. Era algo assim:

- Victória Luiza: Sabe perguntei para o Libardo se ele ainda gosta da fulana.
Uma de nossas tias, acho que foi tia Wenilze, falou rapidamente: - Você o quê, Victoria? Como teve coragem?
- Victória Luiza: Uai! O que tem de mais, ora? Se até hoje ele bebe por causa dela?
Outra tia (talvez tia Wilka): “O Victória, acho que você está se metendo onde não é chamado. Deixa ele em paz”.
Senti a Tia Wenilze, por sua vez, inconformada com a ousadia da Victoria e que, se pudesse daria uma vassourada na cabeça dela.

Eu fui chegando de mansinho tentando entender o que ouvia completamente estupefata, afinal havia uma caso de amor na família e isso sempre me atraiu. Repentinamente, uma outra pessoa perguntou: Mas Victória o que ele respondeu? Nessa hora todo mundo começou a falar junto e as vozes do “vamos parar com essa conversa” venceram. E não consegui ouvir a resposta da Victoria.

Nunca mais isso saiu da minha cabeça. Tinha um tio que sofria por amor e meu lado romântico dizia que lindo (os sofrimentos por amor são sempre lindos para os românticos); tinha um tio que passou a beber furiosamente por amor e meu lado realista pensava que haveriam outros amores, ora bolas! Era só não beber para enxergar (como se fosse fácil...)

No dia em que decidiu nunca mais beber nada engarrafado mais intrigada eu fiquei pois que força de vontade! Nunca mais, enquanto viveu bebeu qualquer coisa engarrafada. Acabou a bebedeira, mas sempre me perguntei: Será que o álcool matou o amor ou apenas o anestesiou durante algum tempo? Mata-se amor? O álcool mata, eu sei, mas e...? Deixa para lá minhas reflexões.

Um dia, já adulta voltando para a fazenda com ele perguntei de bate pronto: Tio, você nunca mais sentiu vontade de beber um pouquinho? Ele respondeu: Senti sim e como. Mas eu sei que se tomar uma colher, viro um alambique inteiro. Por isso evito passar em frente de bares sozinho.

Uma pena não ter dado tempo de eu perguntar: Você ainda ama a tal fulana?

8 comentários:

  1. Waninha,
    Já me emocionei com o seu post...era um tio que eu amava...só não tenho a imagem dele serio...ele passava alguns bons momentos em casa...reclamava da complicação do café da minha mãe (que por sinal continua complicado), mas a elogiava pelo mesmo.
    Minha mãe está aqui e sempre nos contou essa historia de amor entre os dois.
    Eles realmente eram apaixonados, mas a familia dela não queria o casamento...ela inclusive escreveu uma carta pedindo eles fugirem. Ele sempre foi um homem sério e mostrou para a Vó Hilda que o aconselhou a não fazer com a filha dos outros o que ele não gostaria que acontecesse com as irmãs. Depois ela se arrependeu, justamente pelo alcoolismo.
    Minha mãe conta que alguns amigos nossos daqui de Campos fizeram uma sessão para desobsedia-lo de um ex funcionário da fazenda. A partir dai ele já não bebeu mais...Eu inclusive nem me lembro dele bebendo...
    Lembro também dos apelidos, nós erámos as portuguesas...do banho dele ser o ultimo, pois gostava de ter o tempo dele...do jantar sozinho e depois dos consertos de todo e qquer eletrônico que aparecesse. Qdo ele não conseguiu consertar um secador de cabelo da Flávia, lhe comprou outro.
    Lembro tbem que era o único que esperava os sobrinhos para a carona para Paraiso...e da sua tranquilidade.
    Boas lembranças.

    ResponderExcluir
  2. Fiquei um tanto relutante em escrever alguma coisa sobre o tio. Assim como você Waninha, tenho dificuldades para descrever o respeito que sentia por ele mesmo quando vinha carregado de compaixão. Assisti muitas das suas recaídas ao sair das clinicas de recuperação e nunca me esqueci do olhar que lançava à minha mãe ao pedir desculpas por mais uma vez não ter conseguido. Mas tudo passa! Hoje, quando lembro dele, lembro só que ele era meu padrinho de apresentação. Foi ele que correu para chamar o Waltão quando nasci. Que era capaz de consertar qualquer coisa, que conseguiu fazer de um pedaço de madeira uma peça para que um trator, que quebrou na estrada da fazenda, chegasse à São José dos Campos. Que devorava Seleções e livros de bolso de cowboy tanto quanto os clássicos da literatura mundial. Que estava sempre na tulha quando chegávamos à fazenda. Que olhava pra cada um de nós com olhos amorosos mesmo para dar bronca.
    Saudades!

    ResponderExcluir
  3. Sempre lidei com a morte muito bem - desde que não seja trágica - mas Tio Libaldo e Vó Hilda são pessoas que eu, no meu egoísmo, queria que estivessem aqui do meu lado!

    Tenho sorte de nunca ter visto ele beber.

    Toda vez que lembro dele me emociono e muito. E lembro do seu andar no corredor da fazenda: tranquilo, pausado e cadente!
    Fico imaginando ele do meu lado - ainda no meu egoísmo, mais velho - 77 anos, ainda mais tranquilo e amoroso! E chamando minhas filhas de portuguesinhas...

    Eu queria... E MUITO!

    ResponderExcluir
  4. Gostaria de dar um toque para vcs: Ao lerem o post não deixem de fazê-lo com a musica tocando ao fundo, pois sou capaz de apostar como irão vê-lo caminhando e sorrindo em sua direção. Quando terminar há outras para clicar.
    Fla, não creio que seja egoismo, não. Acredito que seja saudade grande de alguém que mesmo calado preenchia nossos espaços.

    ResponderExcluir
  5. Tio Libaldo me chamava de Chan chan, segundo ele é um pássaro que fala sem parar.

    Hoje já não falo tanto assim, mas temos um Pedro por aqui que é um Chan Chan elevado a 10ª potencia, incrível.

    Me lembro dele na oficina, me deixando mexer em tudo, indo lá em casa no começo das férias para me levar par a fazenda, sentado na mesa da cozinha tomando café e comendo queijo, era um tio e tanto, Flavia também sou um pouco egoísta com relação à vovó Hilda e Tio Libaldo, sinto saudades, tempo bom.

    Nunca conheci ninguém com tanta paciência e habilidade era incrível.

    Uma vez consertou uma jarra de louça e um filtro também de louça da Dª. Wilka com ovos crus, colou se contar ninguém acredita.

    Não me lembro de ter o visto bebendo, alias lembro dele tomando café e fumando.

    Sei que essa doença do alcoolismo é terrível, doença incurável, progressiva e fatal, pois a tenho e estou há dois anos limpo, sem beber nada de álcool graças a Deus ao Tio Libaldo e Tio Zé Raimundo, irmão do meu pai em quem penso muito, e me dão força para que eu continue firme.

    Valeu Tio parabéns pelo dia 04 de Julho

    Um beijo

    ResponderExcluir
  6. É incrivel o potencial, a riqueza, a criativida e a disponibilidade de tio Libaldo para consertar o impossivel, o improvavel e o "não tem mais jeito". Sem dúvida era o nosso McGyver.
    Objetos de grande porte como uma usina e os minúsculos como relogios eram consertados e entregas como se não fosse nada de mais. Com certeza era muito inteligente.
    Mas você lembrou de algo fantastico: A capacidade de dar apelidos. Sei de alguns como o "menininha fuçadeira" da Lydiane.
    Alguém consegue lembrar-se de mais apelidos???

    ResponderExcluir
  7. Oi!
    O Alfredo José era o Subosta...o Antonio Fernando era o Mané Pratiano e o Hélio Domingos era o Pratianinho...eu não tinha apelido....era Laurinha.
    Saudades

    ResponderExcluir